Expedição Rodovia Fantasma – BR 319: de volta à Amazônia. Setembro de 2019.

por | jan 4, 2024 | BRASIL | 0 Comentários

Expedição Rodovia Fantasma – BR 319: de volta à Amazônia. Setembro de 2019.

 

Após a nossa jornada atravessando a BR 230, a tão famosa e instigante Rodovia Transamazônica em toda sua extensão e mais um pouco, o que nos faz querer retornar à floresta Amazônica em mais uma aventura sobre duas rodas? Esta é uma pergunta com muitas possíveis respostas. Mais uma vez deixamos a segurança de nossa cidade (será???) e o conforto de nossos lares para nos embrenharmos em uma rodovia em meio à Floresta Amazônica com centenas de quilômetros sem maiores recursos, assim como expostos à toda sorte de infortúnios que uma estrada nas condições da BR 319 pode nos propiciar.

Voltando à indagação anterior, podemos fazer uma reflexão dos motivos que nos fizeram retornar à Amazônia quatorze meses após a Expedição Transamazônica. Inicialmente podemos dizer que o sentimento despertado quando daquela viagem fez com que desejássemos retornar para explorar outras partes da Amazônia e conhecer um pouco mais daquela região tão misteriosa e com tantas histórias. Também podemos argumentar que devido à floresta Amazônica estar tão em voga nos noticiários em função das queimadas e das atividades das ONGs na região, conhecermos a verdadeira história por detrás de tudo isso estando no local em meio à população que lá vive e que sofre no seu dia a dia as necessidades e limitações da vida ao longo da floresta. O por quê desta estrada, que é o único elo de ligação por terra entre Manaus e o resto do Brasil, não ter condições adequadas de trafegabilidade poderia ser uma das questões que nos fizeram criar esta expedição. Outra resposta que se pode dar à nossa pergunta é que, por sermos conhecedores que se trata de uma rodovia de difícil transposição, o espírito aventureiro e o desejo de superar limites acabou por nos impulsionar para mais esta jornada. Um motivo que poderia ter nos estimulado nesta nova viagem seria a busca por autoconhecimento em meio às situações que poderíamos encontrar pelo caminho e a forma de superar os possíveis obstáculos físicos e emocionais. Também o desejo despertado de atravessar a BR 319 ainda quando estávamos na BR 230. Podemos continuar pensando em motivos diversos para tal e divagando sobre cada um deles, mas na verdade o que nos levou de volta à Amazônia foi a soma de tudo alicerçado na paixão pelo motociclismo de aventura. Por tudo isso e talvez muito mais, estamos de volta à Floresta Amazônica na Expedição Rodovia Fantasma – BR 319.

Ao contrário da Expedição Transamazônica, desta vez nosso planejamento foi muito ínfimo. A decisão de fazermos esta viagem se deu repentinamente em uma conversa entre mim e o André no mês de junho de 2019, três meses antes da data escolhida para a viagem. Em poucos dias traçamos a estratégia que adotaríamos para a realização desta aventura.

As questões a serem resolvidas eram o tempo que teríamos disponível e a logística com as motos. Todos nós temos nossas atividades profissionais, assim como nossos compromissos pessoais, que nos limitam o tempo quando não estamos em férias. Tínhamos, no máximo, cinco dias para fazermos toda viagem desde a saída até nosso retorno para Porto Alegre.  Calculamos que conseguiríamos vencer os 877 Km entre Porto Velho e Manaus em três a quatro dias, já que escolhemos a época da seca no Norte do país. Nosso desejo era fazer este trajeto sem pressa para podermos conviver um pouco mais com as pessoas ao longo da BR 319.

Outro ponto a ser resolvido eram as motocicletas. Eu e o Humberto optamos por alugar duas motos Honda Bros 160 cc em Porto Velho com a empresa especializada Vando Motos. O André optou por enviar a Honda XRE 300 que ele havia comprado quando da Expedição Transamazônica. O custo de transporte da moto do André se assemelhou muito do valor que pagamos pela locação das Honda Bros. Os motivos pelos quais optei pelo aluguel foi pela comodidade de não ter que despachar a minha XRE 300 de Porto Alegre para Porto Velho e posteriormente de Manaus para Porto Alegre, assim como para fazer companhia ao Humberto, já que ele não tem mais a XRE 300 que havia comprado também para a viagem do ano anterior. Outro motivo por optar pelo aluguel foi devido à Honda Bros ter o paralama dianteiro alto, o que facilita a pilotagem no barro em caso de chuva. Já o André optou pelo uso da própria motocicleta devido ser mais potente e confortável em relação às motos que alugamos.

Saímos de Porto Alegre às 18h35min do dia 18 de setembro de 2019, chegando em Porto Velho em torno das 00h30min do dia 19. Em Porto Velho ficamos hospedados no Hotel Forest (rua Espírito Santo, 2108, Nova Floresta), que fica cerca de 10 Km do aeroporto e próximo à Vando Motos onde buscaríamos as motos no dia seguinte.

Na manhã do dia 19 de setembro logo cedo o Vando, proprietário da locadora, veio nos buscar no hotel para pegarmos as motos. Além disso, ainda levou o André para pegar a XRE no local onde a transportadora havia deixado. Durante toda a manhã o Vando esteve conosco nos auxiliando, assim como nos acompanhou até a saída de Porto Velho além da ponte sobre o rio Madeira, já no início da BR 319.  A atenção dispensada por ele foi perfeita e muito além do esperado, com grande profissionalismo. Além de excelente profissional que honra seus compromissos, cumprindo à risca tudo o que acordamos tanto no contrato de locação como verbalmente, foi um grande amigo nos apoiando além das expectativas.

Saímos de Porto Velho em torno das 13 horas do mesmo dia com destino à Vila Realidade, distante cerca de 300 Km. Rumamos pela BR 319 até Humaitá, distante cerca de 200 Km em uma rodovia com uma pavimentação excelente. Nesse trajeto sentimos a pouca potência da Honda Bros que, mesmo com aceleração máxima, não passa dos 105 Km/h. Chegamos em Humaitá em torno das 16h15min, onde paramos para comermos algo e abastecermos as motos. No mesmo momento enchemos um galão reserva de gasolina para o trecho que teríamos no dia seguinte, já que entre Vila Realidade e Careiro Castanho não existem postos de combustíveis, o que significa uma distância aproximada de 485 Km. Além do mais, fomos informados que o combustível em Vila Realidade é mais caro do que em Humaitá. Saímos de Humaitá em torno das 17 horas, com cerca de 100 Km pela frente até chegarmos em Vila Realidade. Do trajeto que tínhamos para percorrer, 30 Km eram de estrada asfaltada seguindo paralelo as BRs 230 e 319 no sentido oeste. Após esse trecho o asfalto termina e a BR 319 segue em direção norte, onde se entra no trajeto sem pavimentação. No início ainda se encontram trechos com restos de um asfalto que um dia esteve por ali.

Após pouco tempo a noite caiu e nos pegou em meio à rodovia. Continuamos pela BR 319 com a pilotagem off road noturna, apreciando a beleza da noite na floresta Amazônica com a escuridão ao nosso lado e o brilho das estrelas sobre nós. Nesse momento a temperatura, já um pouco mais baixa, dava trégua ao calor que nos acompanhava desde Porto Velho. No caminho pudemos observar uma grande queimada, com o fogo alto em uma área já devastada. No local havia uma estrada secundária que conduzia até bem próximo à área incandescente, distante cerca de 500 metros da BR 319. Conseguimos chegar bem perto das chamas onde o calor e o som do fogo, misturado com os sons da floresta criam uma sinfonia inesquecível. Até aquele momento ainda não tínhamos uma ideia real do que significavam as queimadas na Amazônia, porém já se iniciavam algumas noções em nossa mente decorrentes das conversas que havíamos tido ainda em Porto Velho quando nos fora informado que não estavam ocorrendo queimadas além do que normalmente sempre acontece nesta época do ano.  Após um bom tempo parados na noite da floresta fotografando, filmando e contemplando aquele momento, seguimos nosso caminho até Vila Realidade, onde chegamos em torno das 20 horas, com 319,2 Km rodados neste primeiro dia da Expedição Rodovia Fantasma.

Em Vila Realidade existem apenas dois hotéis, ambos muito simples. Ficamos em um lugar chamado Hotel Lakazita, que nos fora informado ser a melhor dos dois. Os quartos muito pequenos e simples, com duas camas, banheiro privativo e sem chuveiro quente foram o suficiente para uma noite de descanso. Próximo ao hotel existe um pequeno restaurante chamado Estrela que serve, além de lanches, um prato de espetinho de carne de gado ou frango acompanhado de arroz, feijão, batata e salada por um preço quase irrisório. A precariedade do lugar é bastante grande, sendo que tivemos certa dificuldade até mesmo para conseguirmos água mineral para colocarmos em nossas mochilas de hidratação, o que só foi possível após caminharmos um pouco pela vila. O único posto de combustíveis do local estava fechado e somente abriria no dia seguinte, às 5 horas da manhã.

Na manhã seguinte, dia 20 de setembro, descobrimos que o desjejum do hotel era apenas café acompanhado de pão com margarina. Sabedores que seria o dia mais difícil e que teríamos poucos locais para encontrarmos alimentação adequada, optamos por tomarmos café em uma padaria chamada Nova Realidade. O atendimento, assim como no restaurante em que havíamos jantado na noite anterior, foi de muita cordialidade e atenção cercados de extrema simplicidade. Ali já começávamos a sentir o que nos esperava ao longo da BR 319. A conversa com a senhora proprietária da padaria fluiu com a mesma naturalidade que foram seus comentários a respeito da BR 319, das condições locais, queimadas, dificuldades e os motivos por estarem ali estabelecidos. Mais uma pessoa que nos conta sobre sua terra e sua vida.

Após completarmos o tanque de gasolina das motos, seguimos viagem com o objetivo de chegarmos ainda no mesmo dia na comunidade de Igapó Açu, distante cerca de 336 Km. Os oitenta quilômetros seguintes após Vila Realidade nos trouxeram uma estrada com muitos buracos e cavas.

No caminho passamos por uma madeireira onde estavam alguns trabalhadores. Nossa curiosidade fez com que ali entrássemos solicitando permissão para conhecermos o local. Enquanto estávamos fotografando, veio até nós um cidadão com vestes bem melhores do que os demais trabalhadores, barba e cabelos bem aparados, informando que não poderíamos permanecer ali por ser perigoso. Instintivamente indagamos, fingindo ar simplório, qual seria o perigo ao que respondeu ser por não estarmos utilizando equipamentos de proteção individual (EPI). Os trabalhadores que observamos estavam com roupas simples e sem qualquer equipamento de proteção, enquanto nós estávamos com botas, armadura, luvas e capacete. Mantivemos uma conversa amigável, porém breve, com o cidadão o qual nos falou um pouco sobre os grandes fornos de barro que ali estavam. Agradecemos a permissão por nosso ingresso e imediatamente nos retiramos do lugar, não sem antes tirarmos mais algumas fotografias.

Em alguns trechos ainda se podia observar grande quantidade de lama ao lado da rodovia que foram um convite para brincarmos com as motos, onde nos presenteamos com momentos de diversão. A cada vala com lama era uma festa a mais.

Ao longo da estrada é possível observar trechos com restos de um asfalto que um dia esteve presente naquela rodovia. Ao analisarmos esses fragmentos se percebe que se trata de uma camada bastante grossa de asfalto o que denota que teria sido de boa qualidade na época de sua construção.

No caminho encontramos um casal de motociclistas da Guiana Francesa de nomes Antônio e Amélia viajando em uma Honda Transalp, na direção oposta à nossa. Junto a eles carregam a pequena cadelinha de nome Iana, que viaja entre os dois, presa à Amélia. Após alguns minutos de conversa, seguimos nossos caminhos.

Noventa e sete quilômetros após Vila Realidade chegamos ao local chamado Fazenda Catarinos. Lá fomos recepcionados pelo Jailson e pela senhora Marlise, que nos ofereceram água gelada e uma boa conversa nos contando sua história e mostrando um pouco do lugar. A senhora Marlise saiu de Santa Catarina no início dos anos noventa para fixar residência na BR 319, onde já morava seu irmão. O Jailson é genro da senhora Marlise e ajuda nos trabalhos da propriedade. A Fazenda Catarinos é um ponto de apoio conhecido dos viajantes da BR 319 onde oferece hospedagem a quem passa por ali. Foi construído um barracão de madeira com dois andares para proporcionar hospedagem sem que seja cobrado qualquer valor, ficando a cargo do hóspede a contribuição que desejar deixar. A conversa com o Jailson e com a senhora Marlise fluiu naturalmente e de forma muito descontraída, com a acolhida característica da maneira simples de ser daquelas pessoas. Na propriedade existe ainda uma pequena escola que recebe crianças das redondezas para tentar dar um mínimo de educação formal, dentro das grandes limitações do lugar, sendo o único professor morador na própria escola.

Seguimos viagem por mais 23 Km até chegarmos no lugar chamado Gaúcho, um barracão de madeira na margem direita da rodovia que abriga um restaurante e alguns quartos para uma possível hospedagem. O lugar tem uma espécie de buffet livre e serve uma comida bastante simples e saborosa. Não se pode dizer que o atendimento seja dos mais simpáticos, mas de qualquer forma foi um bom lugar para almoçarmos e descansarmos um pouco além de trocarmos boas conversas com dois motoristas de caminhão que estavam por ali. Havíamos rodado apenas 120 Km dos cerca de 336 Km que tínhamos para percorrer naquele dia para que pudéssemos chegar até a comunidade de Igapó Açu. Ao sairmos do Gaúcho já eram quase 16 horas e, lembrando que na região o sol se põe em torno das 18 horas, seria inevitável percorrermos um longo trajeto à noite na Rodovia Fantasma.

Continuamos pela BR 319 com os encantamentos da paisagem amazônica ao nosso redor à medida que o sol ia desaparecendo entre as árvores da floresta. Mais uma vez a noite nos pegou e tivemos outra oportunidade de pilotarmos em um off road noturno através da Amazônia. O calor intenso que nos acompanhara durante o dia nesse momento se tornava mais ameno, facilitando nossa pilotagem. Embora a escuridão da noite não nos permita ver a paisagem local, esta mesma escuridão nos traz a sensação de paz e a contemplação de um céu brilhante com milhões de estrelas sobre nossas cabeças com a moldura negra das árvores. É impossível não parar as motos por alguns instantes, desligar os faróis e motores e contemplarmos a noite amazônica com os sons da floresta ao nosso redor. Nem o melhor dos poetas consegue descrever com palavras a sensação que temos quando estamos ali parados.

Aproximadamente 40 Km antes de chegarmos em Igapó Açu, em torno das 19 horas, encontramos uma pousada pertencente à senhora Maria José. O lugar é muito simples e, assim como o pessoal da Fazenda Catarinos, muito acolhedor e amável. A senhora Maria é uma das moradoras mais antigas da BR 319 e conhecedora de toda a história da região. Fomos recebidos com muito carinho por ela por seu e seu esposo, assim como por algumas pessoas que ali estavam. Pensamos em abreviar nossa viagem daquele dia e pernoitarmos ali, porém estavam com dificuldade de energia elétrica, a qual é fornecida por gerador. Isto nos obrigou a permanecermos na estrada pelos demais 40 Km até Igapó Açu. Após alguns minutos de descanso e boa conversa, seguimos viagem.

Ao chegarmos em Igapó Açu avistamos duas motocicletas paradas em frente a uma casa. Paramos para pedir informação sobre hospedagem, nos sendo orientados que adiante havia uma pousada, mas não havendo lugar para lá ficarmos poderíamos retornar e ali colocarmos redes para passarmos a noite. Os dois motociclistas eram o Massa, morador de Manaus, e o Vovô Tony, que está fazendo uma longa viagem de moto pelo Brasil. Felizmente conseguimos os dois últimos quartos na pousada que nos fora indicado. Chegamos em Igapó Açu em torno das 20 horas com 338,1 Km percorridos neste segundo dia e um total de 657,3 Km da Expedição Rodovia Fantasma.

Igapó Açu fica ao longo da BR 319 por uma distância aproximada de 500 metros, terminando às margens do rio do mesmo nome, com construções de madeira típicas da região e ligada à margem oposta através de uma balsa.

A pousada, extremamente simples, fica às margens do rio e contígua a outra pousada, ambas pertencentes à mesma família. Oferece pequenos quartos de madeira com teto de palha e frestas entre as tábuas das paredes e do piso, construídos sobre palafitas próximos à margem do rio Igapó Açu. Tem um único chuveiro e sanitário coletivo dividindo o diminuto espaço, também construído com tábuas, com menos de 2 m2.

Naquela noite de sexta-feira iniciava a Festa do Tucunaré em Igapó Açu, com campeonato de pesca deste peixe, que se estenderia por todo o final de semana com o ponto alto no sábado à noite. O campeonato de pesca é disputado entre equipes de pescadores que para lá se deslocam das diversas regiões. Uma destas equipes era composta pelos familiares dos proprietários das pousadas onde estávamos hospedados. Jantamos Tucunaré frito em um estabelecimento do lado oposto da rodovia. Após o jantar circulamos um pouco pelo local da festa assim como pela pequena localidade. Tivemos a oportunidade de conversarmos com pessoas locais que nos receberam com muita hospitalidade. Dentre essas pessoas estava o Senhor Adilton, um morador local que nos contou sobre sua relação de amizade com uma fêmea de boto cor-de-rosa chamada Zélia Cardoso, em alusão à ex-ministra da fazenda do governo Fernando Collor, assim como nos acompanhou por boa parte do tempo, nos apresentando a diversos moradores da comunidade. Também nos contou com muito orgulho da casa de bambus que havia construído, sendo sua residência. Esse senhor nos convidou a encontrá-lo no dia seguinte, às 6 horas da manhã nas margens do rio, para nos mostrar a fêmea de boto cor-de-rosa. O local da festa, como tudo na pequena comunidade, era bastante próximo à pousada de onde a música alta nos acompanhou por toda a madrugada.

Na manhã seguinte logo cedo, no horário combinado, estávamos a postos para sermos apresentados à tão famosa moradora do rio, porém nosso anfitrião ainda sob os efeitos da noite anterior, não apareceu. Aproveitamos o tempo para iniciarmos os preparativos para regressar à estrada em direção à Manaus. Enquanto nos preparávamos, conhecemos o casal Emerson e Sineide, proprietários da pousada onde estávamos hospedados. A Sineide é professora em uma escola local onde leciona para alunos do segundo ao quinto ano do ensino fundamental, com todas as turmas dividindo a mesma sala de aula simultaneamente. O Emerson é funcionário público municipal cedido para a comunidade de Igapó Açu. Assim como muitas pessoas com quem conversamos ao longo da BR 319, o casal também compartilha das mesmas opiniões em relação às ONGs. Afirmam que as atividades dessas instituições não trazem qualquer ajuda e sim acabam por interferir de forma negativa nas comunidades. Como exemplo citaram a construção de uma escola nova onde a obra está parada por desentendimento entre uma determinada ONG alemã que doaria uma verba de 180 mil Reais para a sua construção e a prefeitura de Manicoré, município ao qual pertence Igapó Açu. Fomos levados pelo casal até o local onde está a escola. Lá vimos uma construção de tábuas bastante simples e inacabada, sem cobertura e já sofrendo as degradações do tempo. Segundo nos informaram, a mão de obra e o material foram doados pela própria comunidade.  Após o desentendimento com a prefeitura, a ONG se retirou do local deixando a construção. Para nós é difícil fazer algum juízo de valores ouvindo apenas uma das versões da história, mas não tenho dúvidas que há uma situação bastante suspeita entre a prefeitura e a ONG. Mesmo sem qualquer interrupção na obra, seria difícil admitir que uma estrutura tão pequena e simples pudesse custar o valor alegado, ainda mais com a comunidade contribuindo para sua construção. Exatamente um mês após nosso regresso para Porto Alegre, fui informado pelo Emerson que a obra da escola foi retomada pela prefeitura. A comunidade chamou a ONG alemã para uma prestação de contas a qual alegou que não teriam embargado a obra e sim a prefeitura teria parado a construção por conta própria. A transferência de responsabilidades torna ainda mais suspeita a relação desta ONG com o poder público local. O importante é que agora a comunidade de Igapó Açu irá ganhar sua nova escola.

Retornando da visita à escola inacabada, tivemos a oportunidade de conversarmos um pouco com a Dona Mocinha, uma das lideranças da comunidade de Igapó Açu e mãe do Emerson. Nossa conversa durou mais de uma hora, sendo bastante esclarecedora quanto à história da comunidade e da BR 319. Dona Mocinha nos contou sobre a antiga rodovia que ali existia construída nos anos 70, com um asfalto impecável, pontes perfeitas, pousadas e postos de combustíveis a cada 250 Km e, até mesmo, um trecho de pista de pouso para aviões. Em determinado momento, segundo ela, a rodovia foi destruída por ordem do governo do Amazonas, ainda nos anos 80. Foram levados máquinas e explosivos para a destruição do asfalto e das pontes, permanecendo as comunidades isoladas por via terrestre restando apenas o transporte fluvial para Manaus, um trajeto que leva cerca de 4 dias de navegação. Dona Mocinha, assim como os moradores da BR 319 sonham com a pavimentação da rodovia e a construção de pontes. Sabem que seus comércios atuais desaparecerão, assim como a tranquilidade local, porém o desejo pelo progresso da região está acima de seus interesses pessoais. Em relação às ONGs, Dona Mocinha afirma que os recursos trazidos por estas entidades acabam por ser desviados pelo próprio governo, sem chegar à comunidade. Afirma, também, que estas se fazem presentes nas comunidades, porém sem uma ação efetiva devido aos desvios de verbas. Dona Mocinha traz um discurso carregado pela sabedoria que somente os anos de experiência podem proporcionar.

Teríamos ainda cerca de 258 Km para percorrermos até o porto da CEASA, em Manaus. As conversas com os moradores de Igapó Açu assim como a sua hospitalidade fizeram com que retardássemos nossa saída. Ficamos na comunidade até final da manhã, aproveitando para almoçar no restaurante da pousada da Dona Mocinha. Mais uma vez saboreamos um delicioso tucunaré frito.

Partimos de Igapó Açu no início da tarde percorrendo cerca de 50 Km ainda em estrada sem pavimentação. O caminho ainda nos trouxe as belezas da floresta em meio à estrada com a tradicional puaca da Amazônia. Logo no início encontramos um casal de moradores locais que, viajando também em uma motocicleta Honda Bros, ficaram sem gasolina. O Humberto trocou de moto com eles, sendo rebocado pelo André até a residência do casal, algo em torno de 5 Km adiante de onde estávamos. A técnica de reboque, já utilizada pelo Humberto e pelo André por mais de 40 Km no ano anterior quando de nossa viagem pela Transamazônica, mais uma vez foi útil.

Ainda no caminho, já na parte asfaltada da rodovia, encontramos uma equipe de jornalistas belgas da VRT Nieuws fazendo uma reportagem em uma área de queimada à beira da rodovia, que pode ser vista no link  https://www.vrt.be/vrtnws/nl/2019/09/24/ook-arme-landbouwers-ontbossen-het-amazonewoud-nu-kan-ik-mijn/.

Chegamos na pequena cidade de Careiro Castanho em torno das 16 horas, distante cerca de 146 Km de Igapó Açu. Lá paramos para comermos algo, descansarmos um pouco e abastecermos as motos. Careiro Castanho é uma cidade pequena e bastante simpática às margens do rio Castanho, no Km 102 da BR 319. Faz parte da região metropolitana de Manaus de onde está distante cerca de 124 Km ao sul e tem uma população de 37.869 habitantes (IBGE/2019). O nome Careiro significa “caminho do índio”. Em 1938 se tornou distrito de Manaus com sua emancipação em 1955. O pequeno município apresenta índices de saúde exemplares, com queda crescente na mortalidade infantil, sendo a terceira menor do Estado, assim como o quinto menor índice de gestação na adolescência no Amazonas.

Saímos de Careiro Castanho já no final da tarde em direção à Manaus. Chegamos já à noite, em torno das 18h45min, na localidade de Careiro da Várzea, onde se atravessa de balsa os rios Negro e Solimões. A travessia dura em torno de 1 hora e, em determinado momento, se passa pelo famoso encontro das águas, que é onde os rios Negro e Solimões correm paralelamente sem que suas águas se misturem ficando, de um lado, a água de coloração barrenta do Rio Solimões e, do outro, a água de coloração escura do Rio Negro. Por cruzarmos à noite podemos observar o encontro das águas somente até onde a iluminação do barco alcançava. Mesmo assim se pode dizer que é algo bastante bonito e intrigante. Tal fenômeno ocorre devido a uma série de fatores tais como acidez, temperatura, fluxo, composição e densidade das águas, que faz com não se misturem e assim permaneçam por uma distância aproximada de 5 Km, após a qual se transforma no Rio Amazonas.

Descemos da balsa no Porto da Ceasa de onde fomos direto para o Confort Hotel Manaus, distante cerca de 5 Km, o qual reservamos ainda durante o trajeto da balsa de Careiro da Várzea. Localizado na Av. Mandi, 263, no Distrito Industrial de Manaus, embora um tanto longe do centro, é um hotel de muito boa qualidade, suprindo bem nossas expectativas.

Chegamos no hotel em torno das 20h30min, com 262,3 Km rodados no dia desde nossa saída de Igapó Açu. Ali terminamos a Expedição Rodovia Fantasma – BR 319, com um total de 919,6 Km rodados desde que pegamos as motos na Vando Motos, em Porto Velho, até chegarmos no hotel, em Manaus. Permanecemos em Manaus por mais um dia e meio, aproveitando para conhecer a cidade e descansar um pouco. Retornamos para Porto Alegre no dia 23 de setembro, segunda-feira, às 12h50min e chegando em Porto Alegre às 23h15min. Quanto às motos, deixamos as Honda Bros no estacionamento do hotel às quais foram buscadas pela equipe do Vando Motos sem que tivéssemos qualquer tipo de inconveniente. Tudo muito tranquilo e organizado pela empresa locadora. Já a moto do André, a levamos até a transportadora localizada muito próximo ao aeroporto.

Manaus é a capital do Estado do Amazonas, localizada no centro da Floresta Amazônica, na confluência dos Rios Negro e Solimões formando o Rio Amazonas, maior da terra tanto em volume como em comprimento. O nome Manaus se origina da tribo dos Manaós, que viviam na região, e tem por significado “Mão dos Deuses”. Foi fundada no ano de 1669 tendo como origem o Forte de São José da Barra do Rio Negro, erguido pelos portugueses com a finalidade de estabelecer seu domínio na região. No início do século XX durante o ciclo da borracha a cidade atraiu investimentos de diversas partes do mundo, principalmente de franceses, sofrendo uma grande modernização. Isto levou a que ficasse conhecida, na época, como a Paris dos Trópicos. Para se ter uma ideia do que era a economia naquele período, o calçamento das ruas ao redor do Teatro Amazonas foi coberto por borracha para que o barulho das rodas das carroças quando em contato com as pedras não atrapalhasse as apresentações dos espetáculos. Foi a segunda cidade brasileira a ter energia elétrica, no ano de 1895, e água encanada. Em 1910 ocorreu um grande declínio da economia da borracha devido ao plantio de seringueiras na Ásia com produção de borracha asiática invadindo o mercado internacional. A recuperação da economia local se dá somente em 1967 com a implantação da Zona Franca de Manaus.  Hoje a cidade tem uma população de quase dois milhões e duzentos mil habitantes, sendo a mais populosa da Amazônia brasileira e a sétima do país. É o principal polo econômico do Norte do Brasil. Seu maior símbolo cultural é o Teatro Amazonas, considerado Patrimônio Histórico Nacional. Segundo consultoria da empresa Mercer, Manaus é a quarta melhor cidade brasileira para se viver.

Podemos dizer que a Expedição Rodovia Fantasma – BR 319 foram mais de 900 Km de muita alegria e acúmulo de bagagem cultural, onde foi possível conhecer mais a respeito do povo da Amazônia e vivenciar um pouco de uma realidade que chega para nós de forma um tanto distorcida através dos meios de comunicação. Queimadas e ONGs, governos e governantes, populações das áreas remotas e das cidades, cada um tem sua versão dos fatos provavelmente fundamentados em vivências e interesses pessoais porém, independente de qualquer verdade ou mentira, a vida das pessoas que vivem ao longo da BR 319 se passa com necessidades não atendidas pela grande dificuldade de transporte na região, principalmente na época das chuvas quando o isolamento dessas comunidades é ainda maior. Além disso, o aparente descaso com essas populações por parte do poder público faz com que o sofrimento seja ainda maior. A escola inacabada em Igapó Açu sendo deteriorada pelo tempo e a destruição intencional do asfalto da BR 319 nos anos 80, são exemplos bastante claros da falta de importância dos sucessivos governos em relação à região e sua população, priorizando interesses outros que se sobrepõem às necessidades daquelas comunidades. Qual o real interesse do governo brasileiro, dos governos de outros países e das ONGs na floresta Amazônica?

Porto Velho – RO

Pegando a moto na Vando Motos, Porto Velho – RO

Saindo de Porto Velho – RO

BR 319 – Divisa entre Rondônia e Amazonas

Mais uma vez em Humaitá – AM

Humaitá – AM

Início da Rodovia Fantasma

Início da Rodovia Fantasma – Humaitá-AM

BR 319

BR 319

BR 319

BR 319

“Fera selvagem” à beira da BR 319

Restos do antigo asfalto da BR 319

BR 319

Anoitecer na BR 319

Queimadas na Amazônia – BR 319

Queimadas na Amazônia – BR 319

Vila Realidade – BR 319

Vila Realidade – BR 319

Novo amigo – Vila Realidade – BR 319

Vila Realidade – BR 319

Abastecimento das motos – Vila Realidade – BR 319

BR 319

Pausa para descansar – BR 319

BR 319

Madeireira – BR 319

Mais uma pausa para descanso – BR 319

BR 319

Fazenda dos Catarinos – BR 319

Fazenda dos Catarinos – BR 319

Fazenda dos Catarinos

Restaurante do Gaúcho – BR 319

Mais novos amigos na pousada da Senhora Maria José – BR 319

 

Chegando em Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

Pousada em Igapó-Açu

Pousada em Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

Amanhecer em Igapó-Açu

Pousada em Igapó-Açu

Visita ao quarto do Humberto – Pousada em Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu

BR 319 – Igapó-Açu. Com Dona Mocinha e Senhor Adilton

BR 319 – Igapó-Açu

Sr. Adilton alimentando o Boto-cor-de-rosa no rio Igapó-Açu

Igapó-Açu

Mais um novo amigo – Igapó-Açu

Abastecimento das motos – Igapó-Açu

Humberto no rio Igapó-Açu

Escola inacabada – Igapó-Açu

Equipe de competidores, familiares da dona Mocinha, do campeonato de pesca da Festa do Tucunaré, em Igapó-Açu.

Amazonas

Balso do Rio Igapó-Açu

Encontro com casal de motociclistas locais sem gasolina.

André rebocando a moto do casal pilotada pelo Humberto

BR 319

Amazonas

Queimada para plantio

Próximo à Careiro Castanho – AM

Careiro Castanho – Final da Rodovia Fantasma

Banca de peixes em Careiro da Várzea – AM

Chegada no porto da Ceasa – Manaus – AM

Manaus – AM

Manaus – AM

Teatro Amazonas – Manaus – AM

Manaus – AM

Manaus

Restaurante no Mercado do Peixe – história inesquecível.

Museu da Amazônia – Manaus-AM

Grandes irmãos!

 

 

 

 

 

 

 

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